30 julho, 2012

Prefácio do Mário Bortolotto pro livro "Fratura Exposta" (Cassiano Antico)

Acho meio estranho eu falar de mim... Quero dizer: eu falar do livro que escrevi. Sei lá... Nem saberia como fazer isso. Então, vou colocar aqui o prefácio que meu Amigo/Irmão Mário Bortolotto fez pro livro... Tá aí embaixo. 




A LITERATURA FRATURA EXPOSTA DO MEU AMIGO CASSIANO

Subi várias vezes a Consolação de carro. Invariavelmente nas noites de Segunda-feira. Pra gente ir beber na Mercearia que é um bar da Vila Madalena com seus livros e DVDs e o Marquinhos atrás do Balcão. No primeiro dia que a gente se conheceu foi assim. Saímos direto do Sebo do Bactéria pra Mercearia. E virou uma espécie de ritual. Cassiano vinha me buscar em casa pra gente beber. Ele dirigindo e falando e gesticulando, o som ligado bem alto. O rock comendo e o Cassiano mandando ver aquele bop di improviso, toda a verve espontânea, traduzindo pra mim (que sou monoglota) as letras das músicas todas, porque o Cassiano não é o tipo de cara que se contém. Ele tá vivo, tá eufórico, tá com sede e nem todo o whisky do mundo e toda a literatura do mundo e todo o rock and roll do mundo vai conseguir contê-lo. E eu pensava: “Ele tem que escrever um livro com esse jeito dele falar que parece que não tem um destino certo, mas que ele sabe exatamente onde pode chegar”. E ele escrevia alguns textos no seu blog e sempre me deixava comovido. Seus relatos de família ou dos tempos mais sombrios que ele não quer esquecer, até porque nós sabemos que esquecer é o começo de um novo erro, ou pior ainda, do mesmo velho erro. Então a gente vai continuar lembrando de tudo. Porque nós já absorvemos nossas culpas, nós choramos sozinhos sob postes de luz hesitante e estamos prontos para novos erros. Apenas não podemos aceitar que sejam os mesmos. Cassiano está consciente de tudo isso e acho que posso afirmar que foi exatamente por isso que ele precisou exorcizar os seus demônios de um dos jeitos que ele sabe fazer. E estamos todos felizes por ele ter escolhido a melhor das opções. E lendo esses relatos todos você pode até imaginar que o sujeito atrás do teclado opta por um caminho triste. Mas não se engane. Em primeiro lugar, Cassiano é um dos caras mais engraçados e bem humorados que conheço e há mesmo nesse livro um mapa com pontos riscados e esses pontos não correspondem exatamente à lugares onde o tesouro pode estar escondido. Não é que o Cassiano ofereça pistas falsas aos seus leitores aventureiros. Ao contrário, Cassiano é transparente e objetivo como escritor e como o amigo que eu tenho a sorte de ter. É que ele é o tipo de cara que faz questão de economizar nos band-aids e ataduras. A literatura de Cassiano é fratura exposta, são seios fartos escapando da blusa de uma garota gostosa, uma patada de elefante no portão do castelo. Tudo sangra, das catacumbas até a torre onde esconderam a princesa. Cassiano escolhe seus temas como escolhe as músicas que toca no seu MP3, com impaciência e paixão e aos poucos o leitor vai se pegando intimo e querendo encontrar o escritor na rua e dar um abraço de clube de motociclista nele com todos os braços possíveis de um Bodisatva. Seu cachorro, seus amigos, sua família, todos aqueles que já foram e os que hão de ser. Cassiano oferece carona a todos eles desde que estejam prontos pra dividir com ele suas histórias, seu rock and roll e seu whisky e desde que não tenham medo de subir com ele a Consolação numa noite de segunda-feira. Pra mais um porre, mais um rock, mais uma noite. Na noite que nós nos conhecemos, fizemos exatamente isso. Parece que nada mudou. Talvez estejamos um pouco mais tristes e melancólicos, mas na verdade ainda podemos rir das mesmas velhas bobagens e partilhar histórias e doses de whisky. Não é isso que chamam de amizade? E não é isso a matéria prima de toda a literatura que nos interessa?

- Mário Bortolotto –

Verão de 2.012.